terça-feira, 19 de janeiro de 2010

Eugénio de Andrade faria hoje 87 anos

Não há palavras para descrever a poesia de Eugénio, senão as suas próprias, tão certeiras, tão verdadeiras. Brindo a ti, Eugénio de Andrade, meu poeta preferido.
Andava eu no 5º ano, com os meus 10 anitos, juntava-me às minhas colegas nos intervalos, mas na altura não tínhamos ipod's, nem telemóveis, nem sms's, nem namorados, nem internet.
Juntas, nos intervalos, cantávamos, corríamos umas atrás das outras, e às vezes escrevíamos poemas de uns caderninhos cor-de-rosa para os outros, com dedicatórias infantis, de juras de eterna amizade - sem saber o quão efémera é esta passagem pela vida.
Um dia, recordo-me, uma colega trouxe este poema, e eu passei-o logo para o meu "caderno de poemas" oficial, que andava sempre na minha mochila, não fosse aparecer um poema interessante e eu sem caderno.
E foi assim que conheci Eugénio de Andrade. Li e reli o poema até o saber de cor, para anos mais tarde me lembrar dele, sempre que penso na minha infância.


Adeus

Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.

Meto as mãos nas algibeiras
e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro!
Era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.

Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes!
E eu acreditava!
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
no tempo em que o teu corpo era um aquário,
no tempo em que os teus olhos
eram peixes verdes.
Hoje são apenas os teus olhos.
É pouco, mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.

Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor...
já não se passa absolutamente nada.

E, no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.

Não temos nada que dar.
Dentro de ti
Não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.

Adeus.

4 comentários:

Maria disse...

Eternizou-se num dia de sol, e não foi sozinho. Foram dias tristes, aqueles.
As palavras ficaram, feitas poesia.

Beijinho, Sal

Mide disse...

Pois, como diz a Maria, foi-se num dia em que foi outro grande poeta, um poeta da luta pela fraternidade, por um mundo mais justo e belo.
(Já não tinhas publicado este poema?)

Fernando Samuel disse...

Foram três, os que partiram naqueles dois dias negros: Até Amanhã, Camaradas...

Um beijo.

Justine disse...

Também o meu poeta preferido, Sal.
Está sempre comigo, nos seus livros aqui ao lado.
Abracinho