Hoje houve várias pessoas que me enviaram por email um video que revela alguns dos mais graves problemas que neste momento se passam no ensino, em Portugal. No video, filmado por um telemóvel em plena sala de aula no Carolina Michaelis, no Porto, vê-se uma professora a retirar um telemóvel a uma aluna, que indevidamente o usou no decurso da aula. A aluna não gosta e luta com a professora a fim de obter o telemóvel de volta.
A certa altura os colegas já intervêm, tentando parar a colega que, com histeria, lá vai torcendo o braço à professora, que não larga o telemóvel. O aluno que filma tudo vai fazendo comentários pouco simpáticos, e parece estar a gostar do "espectáculo", assim como outros alunos, que soltam umas risadas, e contribuem para aumentar a confusão que num minuto se instala na sala.
Que acontecimento lamentável.
Revela vários factos acerca do Portugal contemporâneo:
1- O telemóvel é um objecto tão importante para alguns jovens, que não se importam de sofrer seja que consequência for só para poder dispor dele. Essa dependência é, de resto, um fenómeno já conhecido. Há raparigas que se despem na internet por um carregamento do saldo do cartão do telemóvel.
2- A autoridade dos professores já não existe. É a realidade e não vale a pena disfarçar. Creio que só não há mais problemas porque ainda vai havendo quem, com jeito, vá contornando esse facto, quer professores, quer alunos. A culpa dessa perda de autoridade deve-se, em parte, às políticas educativas que têm vindo a ser produzidas, ano após ano neste país, ridicularizando a figura dos professores, menosprezando a importância que estes tem no sistema de ensino; e, por outro lado, à própria modificação dos contextos sociais em que crescem as crianças, hoje. Refiro-me ao acesso fácil que os jovens tem à internet, ao telemóvel e à televisão. Como nem sempre os pais estão presentes para moderar esse acesso, os jovens crescem a ver tudo, a fazer tudo, a saber tudo antes de terem maturidade para assimilar certas coisas.
3- "Decência" e "Respeito" são palavras que sairam do vocabulário de muitas famílias. E a escola não basta para as incutir na educação dos jovens. Se os próprios pais não insistirem, se não derem o exemplo, se não demonstrarem o que é certo e errado, os seus filhos nunca aprenderão a viver em sociedade. Vão, pelo contrário, achar que podem fazer seja o que for, que sairão impunes.
Feito este balanço, posso adiantar duas coisas mais:
1- A sociedade capitalista em que vivemos quer que as pessoas trabalhem sempre mais horas, com horários cada vez mais flexíveis, quer que as pessoas se endividem aos bancos (que é para não pararem de trabalhar), quer que tenham máxima disponibilidade (e quem não a tiver vai para o desemprego), quer que haja uma bolsa de desempregados para poder manter os trabalhadores debaixo do chicote, quer que os trabalhadores tenham medo, que não se sindicalizem, que aceitem contratos individuais de trabalho, para ficar cada vez mais frágeis;
2- A sociedade capitalista quer ainda que os jovens consumam, de preferência aquilo que os faz mais estúpidos e dependentes, quer que os jovens não pensem, que é para não questionarem muito, para poderem ser controlados, e até a irreverência é controlada, há produtos para os irreverentes, desde comida a música. Os jovens controlados de hoje são os dependentes de amanhã, assim espera o grande capital.
Pois é.
Tanta coisa escondida por trás de um video.
Portugal está cada vez mais a parecer-se com os Estados Unidos da America. Se aquela rapariga tivesse uma arma tinha, certamente, disparado sobre a professora.
E então, lá estariam todos preocupados com a violência. E seriam feitos muitos debates e programas de televisão para falar sobre o assunto...