quinta-feira, 26 de novembro de 2009

Viver sempre também cansa


Viver sempre também cansa!


O sol é sempre o mesmo e o céu azul
ora é azul, nitidamente azul,
ora é cinza, negro, quase verde...
Mas nunca tem a cor inesperada.

O Mundo não se modifica.
As árvores dão flores,
folhas, frutos e pássaros
como máquinas verdes.

As paisagens não se transformam
Não cai neve vermelha
Não há flores que voem,
A lua não tem olhos
Niguém vai pintar olhos à lua

Tudo é igual, mecanico e exacto

Ainda por cima os homens são os homens
Soluçam, bebem riem e digerem
sem imaginação.

E há bairros miseráveis sempre os mesmos
discursos de Mussolini,
guerras, orgulhos em transe
automóveis de corrida...

E obrigam-me a viver até à morte!

Pois não era mais humano
Morrer por um bocadinho
De vez em quando
E recomeçar depois
Achando tudo mais novo?

Ah! Se eu podesse suicidar-me por seis meses
Morre em cima dum divã
Com a cabeça sobre uma almofada
Confiante e sereno por saber
Que tu velavas, meu amor do norte.

Quando viessem perguntar por mim
Havias de dizer com teu sorriso
Onde arde um coração em melodia
Matou-se esta manhã
Agora não o vou ressuscitar
Por uma bagatela

E virias depois, suavemente,
velar por mim, subtil e cuidadosa,
pé ante pé, não fosses acordar
a Morte ainda menina no meu colo..
José Gomes Ferreira

4 comentários:

GR disse...

“Viver sempre também cansa”...
contudo quando menos esperamos “ela” ronda-nos e quase “a” sentimos (sem medo).
Sempre gostei muito deste poema.
Adoro o Zé Gomes Ferreira, desde muita menina.

Bjs,

GR

Maria disse...

Mudaste a cor do teu mar...
O Zé Gomes tem uma forma tão especial de falar da Morte...
Vêm aí dias difíceis, sabemos. Mas temos de festejar a Vida, sempre, e este poema acaba por ser um hino à vida - apesar de dizer que viver cansa...

Três beijos para aí...

linhadovouga disse...

O grande intelectual - daqueles a sério! - que sempre foi o JGF, aqui mais um vez a retratar de forma subline um dos maiores - talvez o maior - drama humano.
Está mais azul o teu mar. Não está mal.
Já agora, sublime foi também um determinado solo de uma determinada soprano num determinado Stabat Mater, numa determinada cidade, com um determinado Teatro cheio e aplaudindo o sublime...

Antuã disse...

Parabéns pelo espectáculo naquele teatro.