Já gastámos as palavras pela rua, meu amor,
e o que nos ficou não chega
para afastar o frio de quatro paredes.
Gastámos tudo menos o silêncio.
Gastámos os olhos com o sal das lágrimas,
gastámos as mãos à força de as apertarmos,
gastámos o relógio e as pedras das esquinas
em esperas inúteis.
Meto as mãos nas algibeiras e não encontro nada.
Antigamente tínhamos tanto para dar um ao outro;
era como se todas as coisas fossem minhas:
quanto mais te dava mais tinha para te dar.
Às vezes tu dizias: os teus olhos são peixes verdes.
E eu acreditava.
Acreditava,
porque ao teu lado
todas as coisas eram possíveis.
Mas isso era no tempo dos segredos,
era no tempo em que o teu corpo era um aquário,
era no tempo em que os meus olhos
eram realmente peixes verdes.
Hoje são apenas os meus olhos.
É pouco mas é verdade,
uns olhos como todos os outros.
Já gastámos as palavras.
Quando agora digo: meu amor,
já não se passa absolutamente nada.
E no entanto, antes das palavras gastas,
tenho a certeza
de que todas as coisas estremeciam
só de murmurar o teu nome
no silêncio do meu coração.
Não temos já nada para dar.
Dentro de ti
não há nada que me peça água.
O passado é inútil como um trapo.
E já te disse: as palavras estão gastas.
Adeus.
7 comentários:
E apeteceu-te muito bem.
Obrigado.
É sempre bom (re)ler Eugénio de Andrade.
Obrigada, Sal.
Beijinho
Este poema é daqueles que nunca sabemos se está num blogue porque é bonito ou porque...
Mas o título que deste....
Beijinhos grande, Sal
E lá fiquei eu emocionada...
Pois às vezes apece dizer tudo isso...
abraço de duartenovale
Acho que já te lembraste deste poema em tempos. Mas fizeste bem em relembrar.
Beijinhos
Até já.
Pois a todos vós eu digo:
ainda bem que estão por aí...
até já
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