quarta-feira, 22 de abril de 2009

Elas... e a Revolução

Agora que se aproxima o 25 de Abril, não há dia em que não me lembre de tudo o que outros passaram, o que lutaram, o que padeceram em nome da Liberdade. Aqui fica uma simples mas sentida homenagem às mulheres construtoras de um Abril libertador! Fico sempre arrepiada quando leio este poema.


"Elas"

(excerto final)

REVOLUÇÃO

Elas fizeram greves de braços caídos.

Elas brigaram em casa para ir ao sindicato e à junta.

Elas gritaram à vizinha que era fascista.

Elas souberam dizer salário igual e creches e cantinas.

Elas vieram para a rua de encarnado.

Elas foram pedir para ali uma estrada de alcatrão e canos de água.

Elas gritaram muito.

Elas encheram as ruas de cravos.

Elas disseram à mãe e à sogra que isso era dantes.

Elas trouxeram alento e sopa aos quartéis e à rua.

Elas foram para as portas de armas com os filhos ao colo.

Elas ouviram falar de uma grande mudança que ia entrar pelas casas.

Elas choraram no cais agarradas aos filhos que vinham da guerra.

Elas choraram de ver o pai a guerrear com o filho.

Elas tiveram medo e foram e não foram.

Elas aprenderam a mexer nos livros de contas e nas alfaias das herdades abandonadas.

Elas dobraram em quatro um papel que levava dentro uma cruzinha laboriosa.

Elas sentaram-se a falar à roda de uma mesa a ver como podia ser sem os patrões.

Elas levantaram o braço nas grandes assembleias.

Elas costuraram bandeiras e bordaram a fio amarelo pequenas foices e martelos.

Elas disseram à mãe, segure-me aqui nos cachopos, senhora, que a gente vai de camioneta a Lisboa dizer-lhes como é.

Elas vieram dos arrabaldes com o fogão à cabeça ocupar uma parte de casa fechada.

Elas estenderam roupas a cantar, com as armas que temos na mão.

Elas diziam tu às pessoas com estudos e aos outros homens.

Elas iam e não sabiam para aonde, mas que iam.

Elas acendem o lume.

Elas cortam o pão e aquecem o café esfriado.

São elas que acordam pela manhã as bestas, os homens e as crianças adormecidas.


Dezembro de 1975

in CRAVO, MARIA VELHO DA COSTA, MORAES EDITORES, 1976

4 comentários:

Maria disse...

É belíssimo este poema...
Obrigada, Sal.

Beijinhos

Justine disse...

Magnífico poema, que devia ser obrigatório os homens lerem de vez em quando:))

(um dia destes havemos de combinar, mas o S. nesta altura não pára)

samuel disse...

Continua muito bom!!!

Abreijos

cristal disse...

Obrigada por nos lembrares este poema que tão bem fala de nós... Das deste tempo e do tempo antes e do tempo depois porque teremos que continuar a fazer com que não haja desistência nem baixar de braços e, quantas vezes, segurá-los, a eles, para que não caiam, para que não parem, para que não destruam. BJS