terça-feira, 8 de julho de 2008

Ensino Artístico pela... quinquagésima vez (e acho que não é a última)

Não tenho a capacidade de adivinhar o futuro, mas confesso que se não fosse pela capacidade de acreditar nas pessoas, e na mudança, ser-me-ía muito difícil continuar ligada ao meu ramo profissional. Felizmente vou tendo a sorte de conhecer bons alunos, que nem sempre são os melhores alunos no sentido musical do termo, mas outras vezes são.
Também vou tendo a sorte de conhecer bons colegas de trabalho, bons músicos, boas pessoas. Vou tendo a sorte de me serem dadas condições para desenvolver os projectos profissionais em que me envolvo.
Mas este ano tudo está a mudar. As escolas de ensino artístico especializado (EAE) preparam o próximo ano lectivo. As directrizes por parte do Ministério da Educação são, este ano, diferentes dos anos anteriores. E, à semelhança do que acontece noutras áreas, quando este Governo mexe em algo é com o objectivo claro de preparar o "bolo" para entregar aos privados. Não é à toa que Valter Lemos aparece num jornal da AEEP a enfatisar as virtudes do ensino Particular e Cooperativo, assim como o ensino profissional, afirmando que as escolas do EPC fazem serviço "público"...
Aí está o novo subterfúgio: fazer serviço público com oferta de uma rede de escolas privadas!
Este Governo inventou a pólvora!
Face às alterações previstas quer nos currículos, quer na estruturação do ensino especializado de música, quer no financiamento deste, levantam-se, neste momento, algumas dúvidas:
1- Porquê realizar a reestruturação ou redefinição da rede de escolas de EAE a partir do que existia? Porque não conceber novas escolas públicas que fizessem uma cobertura lógica, democrática, homogénea de todo o território português, ou criando escolas de raiz, ou nacionalizando escolas privadas com trabalho feito?
2- O financiamento previsto fará justiça às reais necessidades dos alunos e professores nos devidos cursos (básico e complementar), nos respectivos regimes de frequência? É que um aluno com 3 disciplinas no básico gasta menos que um aluno do complementar, porque este último tem 7 disciplinas...
3- Implementa-se o (já existente) regime articulado, mas... quem sensibiliza as escolas do ensino regular para a criação de turmas dedicadas, ie, turmas só com alunos do conservatório? Quem se responsabiliza por transportar os alunos aos conservatórios? A articulação é deixada ao sabor de cada escola, de cada agrupamento, de cada autarquia...

E, posto isto, preocupa-me o seguinte: de acordo com as novas directrizes, mesmo os alunos em regime supletivo (que andam desfazados na escola do ensino regular e não em simultâneo, como os de articulado), terão de ter algum paralelismo com os anos de frequência na escola. Isto fará com que uma criança que queira aprender música aos 14 anos já não o possa fazer, a não ser que pague muito, mas mesmo assim não obterá paralelismo entre um 1º grau no EAE e um 8º ano, por exemplo.
Portanto... Ou os putos decidem que querem estudar música até aos 12 anos, ou então... ficam fora do sistema. Ponto Final.

Que futuro vem aí?

14 comentários:

Maria disse...

Não queria deixar de passar aqui hoje.
Amanhã volto para te ler, porque a esta hora já não dou a atenção que o teu post merece.
Vou ler a Sophia e deixo um enorme abraço aos 3.

Beijinhos

Lúcia disse...

Sal: É aqui, no teu cantinho, que me vou pondo a par destas novidades sobre o Ensino Artístico. O leio por aí é tão disperso que, como não estou ligada ao ramo, acabo por não entender a abrangência "da coisa". É que já li muita notícias contraditórias. O que significa, pelo menos, que anda tudo perdido.
Como tu pões as coisas: é grave. Mas também é tão óbvio que não faz sentido, que alguém se há-de lembrar que é melhor parar por aqui, não?
Beijinhos

Sérgio Ribeiro disse...

Obrigado pelo teu post. Assim vou aprendendo. Aprender, aprender sempre como dizia o outro.
Abreijos

Justine disse...

E é claro como água o que o governo pretende, não é? Mais um sectorzito a privatizar, tudo o que vier é ganho...
Beijo

samuel disse...

Que futuro?
Elitista e muito "dado às artes", para os ricos, feio e desafinado para todos os outros!
A menos que...

Anónimo disse...

Seja pela quinquagésima vez seja pela centésima, que nuncas te canses de denunciar o que consideras estar mal.

Anónimo disse...

-E assim se perdem tantas vocações! É preciso mais gente como tu, para denunciar, estas situações!
Abraços

miguel disse...

Dia 11 será discutida uma petição contra a destruição deste Ensino na Assembleia da República.

A estratégia do Governo é clara:
1. assegurar uma "formação" musical de massas através do recurso a empresas privadas, generalizando as Actividades de Enriquecimento Curricular sem qualidade, sem professores formados, sem condições.

2. assegurar uma rede pública de elite assente num pequeníssimo número de escolas públicas (actualmente são 6 todas no litoral e todas acima do Tejo) que receba apenas os filhos de quem pode arriscar uma formação tão específica e cara.

3. Empurrar a restante fatia da formação artística para o Ensino Profissional das Artes - sendo hoje totalmente privado - assim obtendo a tão almejada qualificação através do indispensável diploma e carimbo (pagos, claro).

4. empurrar todos oque querem frequentar o supletivo nos mesmos moldes que se faz hoje para as escolas privadas do ensino artístico, onde o supletivo não deixará de existir.

5. retirar do sistema alguns professores contratados que, pelo actual rumo, não vêem perspectivas nem de profissionalização, nem de estabilização no emprego.

Fernando Samuel disse...

O Ensino Artístico (como a situação do Teatro Nacional...) é o espelho do País...

Parabéns por este post.

Um beijo amigo.

Sal disse...

Caro Pedras Contra Canhões:
vejo que estás informado sobre o assunto. Tenho a dizer-te que no que respeita às directrizes actuais, o que anda a ser cozinhado pelo ME (com uma ajudinha da AEEP e de algumas direcções administrativas e pedagógicas de alguns conservatórios com cartão rosa), o que anda a ser implementado no terreno neste momento em que escrevo é todo um conjunto de medidas que vai ao encontro da privatização e elitização pura e dura do ensino especializado de música.
Relativamente à oferta de escolas públicas é vergonhosa a actual distribuição geográfica. Existem, além das 6 públicas que referes, mais 87 escolas privadas (se não estou em erro), muitas delas com raiz associativa e autárquica (ie, não são comparáveis aos muitos colégios privados que para aí há). E é nesse conjunto de escolas que estuda uma grande parte da população, sabe-se lá com que esforço para fazer face às despesas. Eu acho (e não sou só eu a achar) que algumas destas escolas deveriam ser nacionalizadas. Se o ME fizesse propostas se calhar teria algumas surpresas positivas.
Quanto ao supletivo (que referiste no ponto 4) é um regime de frequência que tem existido nas escolas públicas e nas privadas. Até te digo mais: até há bem pouco tempo havia conservatórios públicos que nem sequer aceitavam alunos em articulado. Mas deixa-me esclarecer-te relativamente ao futuro deste tipo de regime. A confirmar-se a nova legislação que estará para sair, ele só será viável para crianças que frequentem a escola em anos paralelos aos graus do ensino artístico - como no articulado, só que sem haver articulação entre escolas. E, claro, nas escolas privadas é pago, ao contrário do articulado que é gratuito. Terá, certamente, tendência a desaparecer. É o que eu digo no post: uma criança que vá para o 8º ano já não poderá frequentar nem o articulado nem o supletivo.

Beijinhos

Sal disse...

Esqueci-me de uma coisa:
Quanto à profissionalização dos docentes, este ME imbecil abriu concurso há duas semanas atrás para profissionalizações em serviço de docentes do particular e cooperativo, mas esqueceu-se de abranger os docentes do ensino artístico - cuja maioria trabalha no particular e cooperativo não por quererem mas porque não há lugar nos conservatórios públicos. E ainda avisava que era o último concurso! Resultado: vi colegas meus a preparar os documentos todos em tempo record para enviar para concurso, e ser-lhes depois negada a hipótese de concorrer.
Por acaso sou profissionalizada, senão... emigrava!!!

Beijinhos a todos

Sal disse...

Erro de concordância no meu comentário anterior: onde se lê "quererem" leia-se "querer".
(o cansaço tem destas coisas)

mais beijinhos

Maria disse...

É assim, nesta País...
Obrigada por toda a informação contida neste post.

Beijinhos

miguel disse...

ok. agradeço ao mide e à sal o esclarecimento. deveras útil.

os colégios e escolas privadas (não as associativas ou municipais) vão certamente abrir regimes "tipo-supletivo". O mercado é grande demais para ser extinto. Não se enganem. Mesmo que o Governo deixe de financiar esse tipo de ensino porque não traz "carimbos e certificações" para mostrar em bruxelas, ele não deixa de ser a única opção para muitos que queiram aprender música. Por isso mesmo, independentemente do reconhecimento que o ME fará ou não desses cursos, eles serão ministrados - agora apenas no privado.
De qualquer das formas, sal, quando tiveres novidades sobre o EAE agradeço sempre a notificação e os posts. Até agradeço se me fizeres chegar directamente as novidades que tanto ajudam para me clarificar as ideias.
Dia 11 já vou ter muitos mais dados para colocar!