sexta-feira, 11 de julho de 2008

Música para o Fim-de-Semana

Às vezes precisamos do silêncio para compreender melhor o nosso mundo.
4'33'', leia-se 4 minutos e 33 segundos. Assim se chama esta obra de John Cage.
Este compositor americano do Séc. XX. revolucionou o mundo da música ao compor esta obra que é feita apenas de silêncio, um dos parâmetros essenciais em qualquer composição musical.
O resultado, quando executada, é uma criação de grande tensão, quer no palco, quer na audiência, existindo um claro apelo à audição dos sons que compôem o "ruído de fundo".
A ideia de criar perplexidade no público não é nova. Já nos anos 50 do Séc. XX, existiu uma corrente estética teatral que ficou conhecida pelo "Teatro do Pânico" que albergou as mais variadas formas de chocar o público, desde levar vísceras para o palco, até à agressão física do público.... Imagina-se facilmente porque é que foi baptizada com este nome.
Na música também se tem feito as mais variadas experiências, e esta necessidade de inovação já vem de longe: já no século XVI se faziam experiências com o espaço, e com o eco; depois experimentou-se a junção de certos instrumentos; depois experimentou-se a expansão da harmonia, depois a sua anulação, depois a criação de novas escalas, depois a exploração do ritmo, depois a introdução de elementos populares, depois instrumentos electrónicos, e algumas destas inovações acontecem todas ao mesmo tempo, e... e ... podia ficar aqui até amanhã a enumerar a variedade de inovações realizadas.
Em suma, Cage não inventou o silêncio. Inventou um conceito de escutar a música.
E é uma experiência interessante de fazer. Preparem-se:
1-carreguem no play
2-depois da introdução do apresentador do espectáculo, concentrem-se na orquestra, não façam qualquer som, estejam atentos aos sons que vos rodeiam, dentro e fora de casa
3-no meio dos andamentos podem tossir...

Bom Fim de Semana

10 comentários:

linhadovouga disse...

Já tive oportunidade de "tocar" esta peça numa das raras ocasiões em que ela pode ser feita sem soar a piada, ou a engano, ou a recurso para encher programa.
Foi com um grupo de música de câmara, e devo dizer que não é fácil - não porque o domínio da técnica instrumemtal seja complicado, mas porque os próprios músicos se vêm num papel completamente transfigurado, numa espécie de negativo daquilo que, normalmente, é a sua actuação. E manter a seriedade numa tal situação também não é fácil... Excelente escolha. Beijinhos.

linhadovouga disse...
Este comentário foi removido por um gestor do blogue.
samuel disse...

Serve entre outras coisas para nos despertar para o facto de que muitas vezes estaríamos bem melhor "ouvindo" esta música do que a maioria da outra que o mercado nos impinge. :)

Abreijos

Anónimo disse...

Resulta melhor numa sala de espectáculos, de preferência cheia.
Obrigado pela lição.

Anónimo disse...

Que grande coincidência! Ontem andei precisamente a pesquisar sobre esta obra. Já agora, quando foi interpretada pelo "Síntese" quais foram os instrumentos usados, que já não me lembro bem? Em vez de tossirmos entre os andamentos podemos levar um rebuçado na boca. Levá-lo na boca, não desembrulhá-lo no concerto... Beijinhos e bom fim-de-semana!

Maria disse...

Impressionante. Não conhecia.
Obrigada, Sal.

Beijinhos

Justine disse...

Excelente lição sobre música, Senhora professora Sal. Interessantíssimo como experiência,necessário como procura de evolução, mas, desculpa o desabafo, continuo a preferir os clássicos e os românticos aos modernos(ya sabes,cosas de viejos...) :))

Sal disse...

Linha do Vouga:
A transfiguração, ou, a encarnação de uma personagem em favor de uma interpretação é, possivelmente, uma das mais difíceis técnicas a adquirir. Estive nesse concerto e posso dizer que foi deveras inovador. Não foi à toa que o director do teatro disse um grande "bravo" no final...

Samuel:
concordo inteiramente. O mercado musical é dominado pelos mesmos interesses neo-liberais que tentam comandar os nossos destinos, não tenhamos dúvidas. Quanto mais fugirmos ao que nos impingem mais conseguimos ser livres. Também na Música, como certamente sabes.

Salvoconduto:
É uma verdade. até porque os ruídos dos outros não podemos nós controlar, então, resulta mesmo...

Rita:
Quando o "Sintese" tocou isto a instrumentação foi: piano, flauta, saxofone, violino, guitarra, e não me recordo bem, mas acho que também tinha clarinete.
E já agora, a mesma pessoa que desenbrulhou o rebuçado no recital do João, neste concerto do Síntese começou-se a rir durante os 4'33''. Bom fim de semana.

Maria:
É uma obra engraçada, não é?
E requer muita preparação...

Justine:
Esta peça é interessante como experiência, mas não é nada coisa de viejos gostar mais dos clássicos e românticos. Deixa-me que te diga que eu própria também não costumo andar a ouvi-la com frequência... Por vários motivos!!! LOL

Beijinhos a todos, portem-se bem!

Anónimo disse...

uma provocação demasiado evidente. não acho grande piada a isto.

Sal disse...

Cândida:
Temos de ver o seu enquadramento: é uma peça de 1952, e foi concebida de forma séria pelo Cage, com uma "não-intenção", como o próprio afirmou. Na altura da estreia também não foi bem aceite, as pessoas pensaram tratar-se de uma piada... Mas a arte é a arte. É como o conceito de pintar um quadro todo branco, ou todo preto... É como o "Branca de Neve", filme de João César Monteiro, que não tem imagens, apenas som.. A liberdade no espaço da criação artística é um bem para a Humanidade! E uma necessidade para o progresso da mesma.

Beijinhos, Volta sempre.