“Quando descobrimos aquilo de que somos feitos e a maneira como somos construídos, descobrimos um processo incessante de construção e destruição e apercebemo-nos de que a vida está à mercê desse processo interminável. Tal como os castelos de areia das praias da nossa infância, a vida pode ser levada pela maré.” António Damásio, O Sentimento de Si (1999)
terça-feira, 6 de maio de 2008
Recordar José Gomes Ferreira
Devia morrer-se de outra maneira
Devia morrer-se de outra maneira
Transformarmo-nos em fumo, por exemplo.
Ou em nuvens.
Quando nos sentíssemos cansados, fartos do mesmo sol
a fingir de novo todas as manhãs, convocaríamos
os amigos mais íntimos com um cartão de convite
para o ritual do Grande Desfazer: "Fulano de tal comunica
a V. Exa. que vai transformar-se em nuvem hoje
às 9 horas. Traje de passeio".
E então, solenemente, com passos de reter tempo, fatos
escuros, olhos de lua de cerimônia, viríamos todos assistir
a despedida.
Apertos de mãos quentes. Ternura de calafrio.
"Adeus! Adeus!"
E, pouco a pouco, devagarinho, sem sofrimento,
numa lassidão de arrancar raízes...
(primeiro, os olhos... em seguida, os lábios... depois os cabelos... )
a carne, em vez de apodrecer, começaria a transfigurar-se
em fumo... tão leve... tão sutil... tão pólen...
como aquela nuvem além (vêem?) — nesta tarde de outono
ainda tocada por um vento de lábios azuis...
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13 comentários:
Belíssimo. É tempo de voltar a José Gomes Ferreira.
(Sal, sabes que, para além de grande poeta e intelectual, anti-fascista e comunista, o JGF era um óptimo e seríssmo - ainda que tímido - compositor?)
Sal
Grande escolha.
Muito, muito bonito.
Agora essa do compositor, Mide, ele há cada uma...
Não fazia ideia.
Abreijos
Sal
Peço a atenção para o meu novo post com o título "Ainda sobre o verme", em que corrijo um erro em que (não só por minha culpa) caí. De qualquer maneira, no essencial, tudo fica dito como foi dito.
Abreijos
Adoro, este tão grande Poeta Camarada.
José Gomes Ferreira compôs um poema sinfónico quando tinha 17 anos.
Mide,
explica-nos lá esta proeza!
Um bj por esta belíssima pérola.
GR
Belíssimo este poema de JGF....
... o nosso "poeta militante"...
Beijo
Sal
Obrigado por me recordares uma das coisas que mais gosto deste Homem. Há tanto que não lia isto...
Xi
Muitas vezes, à noite, andava aí pelas ruas de Lisboa, sozinho, gritando poemas...
Ainda bem que o recordaste, Sal.
Que belo e digno seria, se assim pudesse ser! Grande ZGF, e grande ideia a tua!
Aqui vai, Samuel:
http://www.mic.pt/cimcp/port/apresentacao.html?/cimcp/dispatcher?where=0&what=2&show=0&pessoa_id=327&lang=PT
Não ficou o link todo na mensagem, mas no www.mic.pt é só fazer a pesquisa, em "Compositores", do José Gomes Ferreira
Mais ainda (bom texto) sobre o JGF compositor:
http://www.esec-j-gomes-ferreira.rcts.pt/AmusicadeJoseGomesFerreira.htm
Sal
Desculpa lá a conversa com as outras visitas...
Mide
Fui ver... gostei de saber da actividade do José Gomes Ferreira compositor. A estreia de uma obra musical aos 18 anos, no Politeama. Ora aí está um espectáculo do Politeama de que certamente gostaria... :)
Obrigado
Samuel:
estás á vontade...
faz de conta que estás em casa.
Mide:
Também fui ver. já sabia da actividade do JGF como compositor. faz-me lembrar um pouco o marxista Theodor Adorno, de quem só são conhecidas as suas obras literárias, e que, de forma surpreendente, compunha música de grande qualidade, numa estética expressionista, muito próxima do Schoenberg.
Beijinhos aos músicos visitantes!!!
Podem conversar sempre que vos apetecer.
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